Palestra sobre pandemia e saúde coletiva dá início aos Encontros Universitários 2019 em Fortaleza

Imagem: Print da tela da videoconferênciaCiência, informação e debate marcaram a palestra de abertura dos Encontros Universitários em Fortaleza (EU 2019), maior evento de divulgação científica da Universidade Federal do Ceará. Em formato de videoconferência on-line, que reuniu mais de 400 espectadores simultâneos na manhã desta quarta-feira (20), a palestra teve como tema "Pandemia e saúde coletiva".

Com apresentação da Profª Márcia Machado, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, a conferência teve como convidada a Profª Marcia Castro, doutora em Demografia e professora da Universidade de Harvard (EUA), que falou sobre o momento de crise sanitária vivenciado pelo Brasil, possíveis soluções e principais consequências da pandemia gerada pelo coronavírus (COVID-19).

A conversa entre as pesquisadoras teve início com uma análise panorâmica sobre a pandemia, cujo enfrentamento, defendeu a palestrante, depende de boas políticas públicas. Para ela, o Brasil possui as ferramentas necessárias para combater os problemas causados pelo vírus, mas as ações governamentais precisam ser melhor coordenadas.

"As respostas foram individuais, cada estado teve que dar sua resposta. Isso torna difícil o trabalho de governadores e prefeitos de tomada de decisões", aponta, ressaltando que pode haver ainda uma percepção negativa perante as ações porque "o resultado positivo da saúde não é visto. Aquele caso mais sério que não aconteceu não foi porque um prefeito exagerou, mas porque acertou".

Para ela, uma das grandes dificuldades do Brasil tem base na desigualdade social, o que faz com que o vírus contamine os grupos populacionais de forma diferente. Por conta de deficiências estruturais e da alta densidade demográfica em pequenas comunidades, que impede a realização de um efetivo isolamento social, o impacto do coronavírus torna-se maior.

"Parte da população não tem água, então não pode exercer a primeira recomendação, que é lavar as mãos, em áreas urbanas e áreas isoladas", lembra a pesquisadora. "Você une esse cenário de não conhecer tão bem o impacto da doença e o fato de que alguns grupos são mais vulneráveis, e é por isso que a gente vê mortalidade maior em áreas com baixo IDH, entre negros e pardos. É um reflexo da desigualdade social."

CEARÁ – A palestrante também fez uma análise sobre a situação da pandemia no Ceará, onde ela aponta que houve um movimento semelhante ao ocorrido no restante do Brasil, com o início da doença nas partes mais nobres da cidade e o posterior espalhamento para as regiões periféricas. Mesmo com as medidas tomadas pelo poder público, esse é um fator que resulta na disseminação da doença.

"Foram abertos hospitais de campanha, houve compras de materiais necessários. A resposta foi boa, mas a velocidade de transmissão, no momento em que a doença sai das áreas nobres e vai para a periferia, sobrecarregou a saúde do Ceará. A demanda é mais alta que a oferta", diz.

Uma possível solução apresentada pela Profª Marcia Castro para o problema de impossibilidade de implementação de um isolamento social total, considerando-se as desigualdades sociais do País, seria o que a pesquisadora chamou de isolamento adaptado às realidades locais. Isso incluiria mudanças na forma de condução da atenção básica em saúde.

"Se a gente equipasse agentes comunitários de saúde e fizesse um treinamento, os agentes poderiam estar nas comunidades para que a gente tivesse distanciamento adaptado. Eles poderiam não só fazer busca ativa, como rastrear contatos e identificar pessoas que precisassem estar em quarentena e não pudessem fazer isso em casa", propõe.

SAÚDE + ECONOMIA – Outro ponto levantado pela palestrante foi a necessidade de apoio que o Estado precisa oferecer às pequenas empresas, dado o impacto econômico que a pandemia causa. Entretanto, esse apoio no âmbito econômico precisa vir acompanhado de ações de saúde efetivas, considerando-se que as medidas econômicas não podem ter caráter permanente.

"Por quanto tempo o governo vai continuar pagando esse benefício [auxílio emergencial] e inserindo recursos para evitar que a gente tenha uma quebra pior do que já teve?", questionou a professora. "Se as duas coisas não andarem juntas, a gente corre o risco de chegar ao momento em que a gente tenha uma dívida quase do tamanho do PIB e não tenha resolvido ainda o problema de transmissão."

SAÚDE E EDUCAÇÃO PÚBLICAS – A luta contra o coronavírus passa, segundo a Profª Marcia Castro, pela valorização da esfera pública, tanto no âmbito da saúde como no da educação. Ela ressaltou, durante a palestra, a importância que possui o Sistema Único de Saúde (SUS) na diminuição das desigualdades do País, permitindo uma maior democratização no acesso à saúde básica.

Ela reconhece que há investimento insuficiente no sistema, mas que ele cumpre papel indispensável. "Antes de criticarmos, é importante lembrar o que era o Brasil sem o SUS. Graças a ele, a gente reduziu desigualdade em acesso à saúde, reduziu mortalidade infantil e em causas evitáveis, teve melhoramento de pré-natal, teve cobertura de vacinas, um programa de imunização nacional, programas modelos de HIV/aids", diz.

Já no outro aspecto da esfera pública, a educação, a pesquisadora vê que as universidades são base fundamental para o enfrentamento da pandemia. "A gente tem três grandes armas na luta contra a COVID-19: liderança, ciência e profissionais de saúde", opina.

"Grande parte dos profissionais foi treinada em universidades públicas, grande parte da ciência de ponta, apesar da falta de recursos, vem das universidades públicas. Quando houve a epidemia do zika vírus, a resposta que a ciência brasileira deu, que veio das universidades públicas, foi reconhecida num editorial da revista Nature [mais importante publicação científica do mundo]", lembra Marcia Castro.

PÓS-PANDEMIA – A palestrante terminou a conferência apontando que ainda não é possível definir todas as consequências sociais impostas pelo coronavírus, que incluem violência doméstica, deficiência educacional, entre outros fatores. Entretanto, ela espera um mundo diferente após a pandemia. Ela alertou que será necessária uma adequação às atividades remotas por um período mais longo que a hipótese inicial e que é necessária a atenção às pessoas com dificuldades de acesso às tecnologias digitais.

"Gostaria que a gente saísse disso com um olhar mais solidário. Seria importante que a gente aprendesse a lição de importância da ciência e que as pessoas se conscientizassem do problema que a desigualdade social no Brasil causa", concluiu.

Marcia Castro é doutora em Demografia e professora associada da Harvard T.H. Chan School of Public Health, membra do Programa de Estudos Brasileiros no Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos e membra do comitê de direção do Centro de Análises Geográficas.

ENCONTROS – A edição de 2019 dos Encontros Universitários está sendo realizada, pela primeira vez, em formato digital. Até a próxima sexta-feira (22), a comunidade acadêmica terá palestras, apresentações de trabalhos e lives artísticas. Após o evento, as palestras serão disponibilizadas no canal UFCTV no Youtube. A programação completa está disponível na plataforma dos EU 2019: www.eu2019.ufc.br.

Fonte: Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFC, organizadora dos Encontros Universitários 2019 – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.