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Nova realidade é presencial e virtual, mas Brasil não garantiu as condições necessárias para o novo tempo, diz André Lemos

Imagem: fundo azu com fotos de dois homens em suas respectivas casasA pandemia do novo coronavírus tem mostrado que a dicotomia entre o presencial e o virtual tornou-se um debate improdutivo e que as atividades humanas, cada vez mais, devem mesclar essas duas realidades, especialmente nas áreas da educação e do trabalho. Entretanto, o que a COVID-19 também revelou é que o Brasil não avançou como deveria na infraestrutura de Internet e na formação das pessoas para a utilização dessas ferramentas, o que hoje cria entraves para o desenvolvimento de soluções práticas para a atual situação. É o que pensa o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), André Lemos, que ministrou nesta sexta-feira (22) a palestra de encerramento dos Encontros Universitários 2019 (EU 2019).

Lemos, que é pesquisador nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), discursou sobre os “Desafios da Universidade e da Educação Pós-Pandemia”. Realizada em formato on-line, a discussão reuniu um público de mais de 500 pessoas, que levantou questionamentos por meio do chat virtual, os quais foram respondidos pelo convidado. A palestra, que teve mediação e comentários do Prof. Maurício Benevides, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), segue no ar através do canal do evento no YouTube.

“É um falso dilema falar de substituição quando se fala de educação não presencial. Não se substitui. O que precisamos é reconstruir, é integrar o virtual com o presencial”, analisa o professor. “Ter aula on-line não é mesma coisa que estar numa sala de aula. [...] O espaço-escola é fundamental, a formação do ser humano é atravessada por múltiplos agenciamentos e é preciso ter esse espaço de sociabilização. A escola não é só o aprendizado formal, é também os espaços, que são artefatos materiais que produzem aquilo que vamos desenvolver”, avalia.

Por outro lado, o pesquisador destaca as possibilidades que se abrem com as ferramentas virtuais, citando atividades que já realizou em seu grupo de pesquisa que tiveram uma participação remota em tempo real de um número de pessoas que, diz, jamais alcançaria se tivessem sido promovidas em espaço físico. Ele mencionou também as experiências que trouxe para suas turmas na UFBA de sala de aula invertida, uma metodologia de ensino na qual o conteúdo das aulas é repassado via on-line, usando, por exemplo, vídeos no YouTube, deixando o momento presencial para discussões e realização de trabalhos. A metodologia, inclusive, já vem sendo usada por alguns professores da Federal do Ceará, conforme já relatado em reportagem do Jornal da UFC.

Entretanto, muitas das possibilidades que se abrem com a Internet encontram barreiras na infraestrutura para os mecanismos digitais no Brasil e na realidade socioeconômica da população. “Tem gente que não tem nem casa pra morar. O vírus nos compeliu a uma ação e vai revelar as mazelas da nossa sociedade: investimos pouco em banda larga residencial, na formação de professores, em processos pedagógicos interessantes e eficientes”, pondera.

O professor citou reportagem recente do jornal Folha de S. Paulo que mostra que 70 milhões de brasileiros têm acesso precário ou nenhum acesso à Internet. E mais: que 42 milhões de pessoas no País nunca acessaram a rede. Conforme os dados, as pessoas das classes mais baixas são as mais desconectadas.

MERITOCRACIA – “Não se trata de meritocracia quando eu tenho o meu filho com um celular, um tablet, um computador, banda larga, podendo estudar e se informar de forma radical, enquanto outras pessoas não têm nem um quarto numa casa, não têm computador, não têm Internet e ficam dependentes de um 3G ou um 4G pré-pago, sem a menor condição de competir para receber conhecimento e fazer sentido desse conhecimento”, posiciona-se.

Segundo André Lemos, falar de educação, especialmente no contexto atual, em que a Internet agrega todo um universo de conhecimento que antes não havia disponível, é também falar das condições de moradia e de acesso dos alunos à cultura virtual. “Níveis diferenciados de acesso à informação leva a níveis diferenciados de aprendizado”, pontua. Para Lemos, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) são uma espécie de “janela do mundo”, mas que, no Brasil, tornaram-se um “luxo”, por não estarem acessíveis a todos.

“O maior desafio para a educação no pós-pandemia vai ser resolver problemas de infraestrutura do País e o despreparo das gestões, dos professores e de alunos. Talvez, a gente saia da pandemia mais forte, na melhor das hipóteses”, considera. Ele acredita que o vírus tem impelido a sociedade a pensar a educação “como responsabilidades coletivas, fazendo valer o que é interessante dessas tecnologias, e a buscar novas formas de acesso à informação”.

Imagem: Reitor fala dos EU2019 em formato virtual e encerra o eventoREITOR ENCERRA ENCONTRO – Antes do fim da palestra do Prof. André Lemos, o reitor da UFC, Prof. Cândido Albuquerque, fez entrada na live para agradecer a participação da comunidade universitária nos EU 2019, que, destacou, teriam superado todas as expectativas existentes para o evento. Ele adiantou que os próximos Encontros Universitários devem seguir a linha de reflexão de André Lemos para os processos de educação nos novos tempos: a de unir as atividades presenciais com as virtuais, permitindo, assim, uma ampliação nas possibilidade de aprendizado.

Para o reitor é fundamental inovar e aplicar mais e melhor as Tecnologias da Informação e Comunicação no ensino superior. "Expresso o desejo de atender esta demanda desde o primeiro dia da minha gestão", lembra. Para ele é importante, ainda, destacar que tomou a decisão por realizar os Encontros Universitários virtuais e facultativos pensando nos estudantes e na mobilização da comunidade acadêmica no contexto atual de isolamento social e atividades remotas na Universidade. 

"A resistência inicial aos Encontros Universitários de forma virtual é compreensível. Mas sempre tive certeza absoluta de que seria possível fazer muito mais que cancelar o evento. Também considerei pequena, para a UFC, a ideia de apenas adiar, mais uma vez, o mais importante momento de divulgação científica da nossa instituição. A sugestão de aguardar a possibilidade de retorno às atividades presenciais para reunir milhares de pessoas num mesmo espaço físico, infelizmente, tem se mostrado cada dia mais distante.”, destacou o reitor. 

Diante do cenário, ele conclui falando que a reitoria está "em busca de novos mecanismos de auxílio para os estudantes frente aos desafios impostos pelo covid-19. Nossa política e ações de assistência estudantil durante a pandemia têm sido exemplares. Isso é inquestionável, mas pouco observado".


PERFIL – André Lemos é membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCIBER) e diretor do Lab404 – Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço. André Lemos é também membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD).

ENCONTROS – A edição de 2019 dos Encontros Universitários foi realizada, pela primeira vez, em formato digital. De quarta a sexta-feira, a comunidade acadêmica contou com palestras, oficinas, apresentações de trabalhos e lives artísticas.

Fonte: Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFC, organizadora dos Encontros Universitários 2019 – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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