Pesquisador português apresenta avanços da neurociências em evento na UFC

Imagem: O Prof. Rodrigo Cunha é pesquisador do Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra (Foto: Viktor Braga/UFC)As pesquisas mais recentes nas áreas de Alzheimer, Parkinson e depressão foram alguns dos temas debatidos por pesquisadores da UFC, Universidade de Coimbra (Portugal), Universidade Federal do ABC e Faculdade de Medicina Estácio, na última sexta-feira (6), no auditório do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da UFC. O evento foi promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, da Faculdade de Medicina.

Um dos principais pontos em discussão foram os trabalhos realizados com cafeína pelo Prof. Rodrigo Cunha, pesquisador do Centro de Neurociências de Biologia Celular da Universidade de Coimbra. "O que se pode dizer com certeza é que há uma associação bem estabelecida entre os estudos epidemiológicos (que acompanham o comportamento de segmentos da população) e pré-clínicos (feitos com animais) mostrando que o consumo da cafeína controla a deterioração cognitiva", disse. Isso vale tanto para a perda natural da memória com a velhice como para retardar o surgimento de doenças como o Alzheimer, mas não se aplica a pessoas que já desenvolveram a doença.

NOVIDADES – Mais recentemente, as pesquisas na área alcançaram um novo patamar. A partir de testes pré-clínicos em camundongos e trabalhos com engenharia genética, os pesquisadores conseguiram entender os mecanismos de ação da cafeína e desenvolver uma substância análoga a ela e capaz de atuar exclusivamente em uma estrutura celular chamada de "receptor de adenosina A2A".

Os receptores são sensores das membranas celulares que interagem com substâncias presentes no organismo – no caso, a adenosina, um neurotransmissor que atua em diversas reações no organismo, como a sensação de sono ou cansaço e o controle da frequência cardíaca e temperatura corporal.

"A evidência que colhemos com animais sugere que conseguimos reverter a perda de memória", disse o Prof. Cunha. Isso ocorre porque, para trabalhar com a memória, o cérebro tem de executar duas operações simultaneamente: a primeira, de fixar informações já conhecidas; a segunda, ter maleabilidade para aprender coisas novas. Em uma comparação simplista, é como um computador que precisa ter memória RAM para poder executar o processamento de dados e um HD para arquivar as informações.

O dilema entre a rigidez do arquivamento e a instabilidade necessária para adquirir novas informações é o que define o bom funcionamento da memória. Indivíduos com Alzheimer, por exemplo, têm uma excessiva instabilidade nos neurônios, o que facilita a aquisição de informações por um lado, mas reduz a capacidade de retê-las.

Essa substância análoga à cafeína atua diretamente nos receptores de adenosina A2A, reduzindo a instabilidade e facilitando a retenção da memória. Ao ministrar essa substância a um grupo de ratos com características semelhantes às dos portadores de Alzheimer, os pesquisadores perceberam, pela primeira vez, que após três semanas eles passavam a se comportar como ratos sadios.

"Foi espantoso. Custou-me um pouco a acreditar, mas dados são dados", diz Cunha. A pesquisa está prestes a ser publicada na prestigiada revista Nature. O passo seguinte é pesquisar o efeito desse análogo em humanos.

PARKINSON – Segundo Cunha, estudos semelhantes foram realizados na área de Parkinson e estão bem mais avançados. "Já temos aprovado essas substâncias para uso como medicamento no Japão e nos Estados Unidos. Na Europa, ainda temos algumas questões a resolver", disse.

Não se trata de reversão da doença. A vantagem sobre os tratamentos clássicos do Parkinson, explica o pesquisador, é que o novo medicamento funciona por mais tempo e possui menos efeitos secundários.

DEPRESSÃO – Durante o evento, Cunha apresentou um novo campo de estudo: a relação entre cafeína e estresse crônico. A investigação está sendo realizada pela Universidade de Coimbra, em cooperação com a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Os pesquisadores submeteram dois grupos de ratos a situação de estresse crônico, um dos principais gatilhos da depressão, durante três semanas. A um deles, foi administrada água. O outro recebeu também cafeína, em doses equivalentes a duas xícaras diárias para o ser humano.

Os cientistas perceberam que os animais que receberam cafeína registraram menos alterações comportamentais do que aqueles que receberam apenas água. Estes últimos registraram alterações comportamentais semelhantes às da depressão: imobilidade, ansiedade, perda de prazer, menos interações sociais e perda de memória.

A partir da engenharia genética, os pesquisadores portugueses identificaram que esse processo se dá nos receptores de adenosina A2A, mais especificamente em uma região do cérebro conhecida como amídala, que tem papel importante na regulação do comportamento sexual, dos sentimentos e da agressividade. Os próximos passos envolvem pesquisas com humanos – mas elas são "demoradas e caras", alerta Cunha.

Apesar dos resultados positivos das pesquisas até aqui, Cunha chama a atenção para o fato de que as pessoas não podem simplesmente sair bebendo café de forma aleatória, como medida preventiva. Ele explica que cada organismo terá uma sensibilidade diferente para a cafeína e para sua toxicidade.

Além disso, recomenda às mulheres que pretendam engravidar reduzir o uso de café. "Ele atrasa a migração dos neurônios e tem efeito na qualidade do cérebro dos recém-nascidos", diz. A dose máxima, aponta o professor, deve ser de duas xícaras por dia.

Fonte: Profª Geanne Matos, da Coordenadoria de Pesquisa da UFC e integrante do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia – fone: 85 3366 9945