UFC diploma Bergson Gurjão Farias em inédita cerimônia de colação de grau póstuma
- Sexta, 16 Mai 2025 22:43
Em um dos momentos mais emblemáticos da programação de seus 70 anos, a Universidade Federal do Ceará (UFC) concedeu, em caráter post mortem, o diploma de bacharel em Química ao estudante Bergson Gurjão Farias na noite desta sexta-feira (16). Ele foi representado no ato público pela irmã Ielnia Farias Johnson, 79, que reside nos Estados Unidos e veio ao Brasil especialmente para receber a honraria. Vários outros familiares residentes em Fortaleza também prestigiaram a cerimônia.
A solenidade, antes prevista para a Concha Acústica da Reitoria, foi transferida para a sala do Conselho Universitário (CONSUNI) devido às fortes chuvas e reuniu comunidade acadêmica, políticos e autoridades locais, representantes de entidades de classe e militantes contemporâneos de Bergson. O movimento estudantil da Universidade também compareceu em peso e gritou palavras de ordem.
Por se tratar de cerimônia de colação de grau extemporânea, parte do rito universitário foi seguido, como a presença de oradores discentes e docentes, além da tradicional entrega de documentos por parte do pró-reitor de Graduação, Prof. Davi Romero.
Os dois oradores discentes chamaram atenção para o simbolismo do gesto institucional e para o fato de que o movimento estudantil segue atento e firme na luta contra opressões de diferentes naturezas. "Décadas depois, este diploma representa um resgate da verdade e uma reparação que afirma: a juventude que luta jamais será esquecida. Nossa geração carrega a missão de resistir à apatia, combater o negacionismo e exigir justiça. E não é apenas discurso – é luta concreta", sintetizou Yasmin Santos, aluna de Direito.
Já o estudante de História Nathan de Deus afirmou que as atuais lutas estudantis carregam, ainda hoje, muito da memória e do exemplo da geração de Bergson. "É por isso que nós seguiremos lutando pela memória, pela justiça e contra aqueles que cometeram crimes como esse. Temos absoluta certeza de que a vitória estará do nosso lado, porque estamos do lado certo da história", finalizou, acrescentando "Bergson Gurjão, presente!".
O orador docente foi o presidente da Comissão de Direitos Humanos da UFC, Prof. Rafael Silva. Ele frisou que Bergson esteve presente em dezembro passado, quando, na inauguração do espaço cultural que leva seu nome, a UFC entregou termos de reconciliação histórica a ex-militantes do movimento estudantil na UFC que foram perseguidos durante a ditadura: "Ele não faltou. Esteve na boca, nas mãos, nas mentes de seus colegas".
"Completamos um ciclo que se iniciou em meados de 1960 e começou com um jovem fazendo um simples vestibular. Este momento, além de ser um resgate da memória, da verdade e da justiça, é, antes de tudo, um 'troco' que nós democratas damos a toda forma de ditadura. Provamos que a história se move ao se abrir à verdade. Não é estática – é flexível e muda o presente", afirmou Rafael.
Falando em nome dos familiares, Ielnia Johnson disse ser uma grande honra para a família ver Bergson ser reconhecido como graduado e líder estudantil. "Além de um excelente filho, irmão e amigo, sua determinação e dedicação foi um exemplo para todos nós. Essa seria a mensagem dele para os estudantes que estão começando a descobrir e construir suas estradas. A solenidade de hoje tornou realidade o maior sonho de nosso pai, que era ver seus quatro filhos formados", compartilhou com o público presente.
A poucos passos do retrato do irmão, transferido durante a solenidade do Espaço Cultural batizado em homenagem a ele para a sala do CONSUNI, Ielnia encerrou seu discurso com versos da canção "A Rita", de Chico Buarque, uma das preferidas de Bergson: “Levou os meus planos/ Meus pobres enganos/ Os meus vinte anos/ O meu coração”. Uma mensagem poderosa para ilustrar a saudade de uma vida inteira não partilhada.
O reitor Custódio Almeida salientou as lacunas nas histórias individuais e coletivas, deixadas pela violência da ditadura civil-militar. "Hoje, estamos reunidos para reparar sonhos interrompidos. Tiraram de Bergson a possibilidade de iniciar as atividades profissionais como químico. Ele tampouco teve a chance de ver o Brasil se abrir democraticamente novamente, depois da ditadura", lamentou.
Para o dirigente, tal diplomação representou um momento de reafirmação da democracia e de celebração da vida, em memória daqueles que lutaram por justiça social e sofreram injustamente a repressão na sua busca pela construção da liberdade. "Celebremos o título e lembremos que hoje falta um entre nós. A semente de sua resistência permanece viva na comunidade universitária, no movimento estudantil, e em todos nós que seguimos, das mais diferentes formas, na luta por um mundo melhor e mais justo", disse o reitor.
SOBRE O TÍTULO – Foi a primeira vez em sua história que a UFC concedeu um título de graduação post mortem. Com a medida, Bergson Gurjão Farias se uniu aos mais de 130 mil egressos formados pela Universidade. Em 2024, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também concederam títulos dessa natureza a estudantes que perderam a vida na luta contra o regime autoritário.
Veja mais fotos da solenidade no Flickr da UFC.
Fonte: Gabinete da Reitoria - e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.