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Inclusão: projeto do Curso de Jornalismo utiliza aromas para permitir a identificação das cores por pessoas cegas

O desafio de ministrar a disciplina Design Editorial em Jornalismo, para uma turma com um dos alunos cegos, resultou na criação de um projeto considerado inovador. O estudo, aplicando o princípio da sinestesia, tem o objetivo de permitir que pessoas com deficiência visual possam identificar cores associando-as a aromas. O projeto foi idealizado pelo Prof. Luís Sérgio Santos, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, com o químico Josafá Rebouças, especializado em tintas.

Na tarde de quarta-feira (20), o projeto foi apresentado, pela primeira vez, aos alunos da disciplina. Em aula, no formato de oficina, a etapa inicial constou de explanação do Prof. Luís Sérgio sobre o conceito do projeto. No segundo momento, o químico Josafá Rebouças falou da metodologia a ser aplicada na terceira etapa: o experimento efetivo de associar cores a odores. O evento contou, também, com a presença do oftalmologista Karlos Sancho, que tem dado apoio aos dois idealizadores do projeto.

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“Descobrimos na nossa pesquisa que não existe em nenhum lugar do mundo um padrão de cor para deficientes visuais”, afirmou o Prof. Luís Sérgio. Na sua exposição sobre o conceito do projeto, ele contou ter pesquisado, inclusive internacionalmente, e não ter encontrado nenhum trabalho acadêmico sobre o uso de aromas associados a cores para auxiliar pessoas cegas.

Assim, inspirados em sistema de cores existentes para quem enxerga, como os conhecidos RGB (sigla em inglês das cores red/vermelho, green/verde e blue/azul) e o CMYK (cyan/ciano, magenta/magenta, yellow/amarelo e a letra k é utilizada para representar o preto), além da escala de cor Pantone, ele e o químico Josafá criaram um processo de cores denominado Visually Impaired Color Standardization (VICS) – Padronização de Cores para Deficientes Visuais, em tradução livre. O VICS inclui a paleta RGBYWK (red, green, blue, yellow, white, black ou vermelho, verde, azul, amarelo, branco e preto), arbitrada por eles. Associando as cores a essências aromatizadas, cegos podem relacionar os diversos tons aos cheiros.

No estudo, valendo-se da sinestesia, os autores produziram correlações da seguinte forma: o vermelho intenso relacionado ao odor de pimenta malagueta e o vermelho suave, ao de morango; o amarelo intenso, ao de maracujá e o suave ao cheiro de abacaxi; o verde intenso ao de hortelã e o suave ao de capim-santo; o laranja intenso ao odor da laranja e mais suave ao aroma de tangerina; o azul ao cheiro de mar; o branco ao de coco; e o preto, que representa ausência de cor, a nenhum aroma, entre os exemplos citados por Luís Sérgio.

Ele e Josafá já deram entrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) do pedido de registro de patente do VICS, que inclui a paleta de cor RGBYWK e o reconhecimento da cor pelo olfato através da sinestesia.

Para o médico oftalmologista Karlos Sancho, “o VICS é uma iniciativa que traz cor aos cegos”. Antes da etapa prática da oficina, ele fez uma explanação sobre as diversas doenças dos olhos, como a catarata, glaucoma e retinopatia diabética, que podem levar à cegueira. Citando a Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que “80% dos casos de cegueira ou são evitáveis ou são reversíveis”.

Mesmo o temido glaucoma congênito, segundo o médico, pode ter tratamento se o diagnóstico for feito precocemente nas crianças. Como forma de prevenção das doenças oftalmológicas em geral, Karlos Sancho recomendou a ida anual ao especialista dessa área.

Imagem: Pessoa vendada utiliza tinta e desenha com um papel sobre a mesa

CORES INCLUSIVAS – A parte prática da oficina envolveu cinco participantes, dois deles cegos – o aluno da disciplina Lucas Vieira e o jornalista convidado Carlos Viana, do jornal O Povo – e três estudantes voluntários. Todos de olhos vendados. Outros alunos atuaram como assistentes e monitores no experimento.

Na aula foram usadas apenas as cores vermelha, azul, verde, amarela e laranja. Alunos representando cada cor foram oferecendo aos cinco voluntários, com o auxílio dos assistentes, tiras de papel embebidas com odores diversos e, em seguida, vidros de tinta, fazendo com que cada aroma fosse associado e identificado a uma cor. Sem enxergar, os voluntários pintaram telas e a aula bem diferente foi encerrada com depoimentos dos participantes e sessão de perguntas.

O jornalista Carlos Viana foi diagnosticado com glaucoma quando tinha menos de 1 mês de idade. Conta que na infância e início da adolescência, apesar da baixa visão, conseguia perceber cores, uma luz acesa, mas aos 15 anos, por causa das dores causadas pelo glaucoma, teve de tirar os olhos e ficou sem enxergar.

Ele considerou positiva a experiência na aula-laboratório. “Como eu enxergava um pouco, no Instituto dos Cegos [onde estudou na infância], eu tinha aula de pintura, mas usando a minha pouca visão. Desta vez foi bem diferente porque tinha uma referência para eu conseguir identificar as cores, o que até então eu não tinha. Realmente foi bem bacana porque eu tinha segurança sobre qual cor eu estava usando ali”, expressa ele.

Perguntado sobre aplicação prática para as pessoas cegas na sociedade em geral, Carlos acha que pode ter sim. “Eu acho que tem de ter algum mecanismo para que isso vá mesmo para o dia a dia do cego. Não sei como seria feito, mas acho que seria bacana, principalmente para os cegos do Interior que não têm acesso à educação”, avalia.

Imagem: Rapaz cego de pele branca na sala onde o projeto foi realizado

Lucas Vieira, aluno de Jornalismo, perdeu a visão aos 12 anos. Para ele, a vivência de unir aroma a cores “foi muito inovadora”. Afirma que havia tido contato com tintas e pincéis antes e mesmo depois de perder a visão, aos 12 anos, “mas nunca envolvendo aromas. Acho que [a experiência] é muito eficiente porque a partir dos aromas a gente consegue diferenciar as cores”.

Ele ressaltou a natureza de inclusão dos cegos que marca o projeto numa sociedade muito voltada para o visual. “Ter esse tipo de inclusão serve para mostrar que é possível a pessoa com deficiência visual participar tanto artisticamente quanto profissionalmente, se envolvendo com design e pintura”, disse.

Para sua formação, Lucas percebe avanços. “Acredito que vai me ajudar de uma maneira mais prática dentro da disciplina porque eu estou tendo contato com as cores através do olfato e vou poder produzir algo mais que eu possa ‘visualizar’ e perceber o resultado.”

Como aluno da disciplina, David Brandão elogiou a aula-oficina como algo inovador. “Foi incrível para nós que enxergamos porque pudemos sentir o que as pessoas com deficiência visual sentem”, destacou.

FUTUROS PRODUTOS – O químico Josafá Rebouças, que cursa doutorado na academia do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), mostrou-se satisfeito e surpreso com os resultados da imersão dos participantes na experiência inédita. “Eu vi, de cara, uma aplicação útil [na associação de cheiros a cores]”, disse ele. Citou, como exemplo, a possibilidade de fabricação de tinta para telas e massinhas coloridas aromatizadas que possam ser usadas em atividades com crianças cegas nas escolas.

E sobre os próximos passos? Josafá comentou que, diante de tantas informações e percepções ocorridas na sala de aula, ele, Luís Sérgio e o oftalmologista Karlos Sancho vão se reunir para realizar um processo de elaboração de tanto conteúdo. “Vamos refinar a experiência, tratar essas informações, pegar depoimentos de todos e criar um caminho para trazer uma solução inclusiva para os deficientes visuais”, pontua.

Fonte: Prof. Luís Sérgio Santos, do Curso de Jornalismo da UFC – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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